domingo, março 12, 2006

Caro Pai

Caro Pai,

Como vai passando? Eu sei que faz um pouco de tempo desde a última vez que lhe escrevi, mas a mãe tem-lhe contado as novas desta Lisboa, não é verdade? Tem-lhe contado dos estudos, dos exames, dos amigos que tenho feito, dos professores, não é pois? Não leve a mal eu não lhe ter escrito tanto como devia, mas isso também é porque eu ando um pouco perturbado com umas coisas que me têm acontecido nos entretantos.

Ó Pai, o Pai lembra-se de eu lhe ter falado do Marco, aquele rapaz que eu lhe disse que partilha a casa comigo e que trabalhava à noite para poder pagar os estudos? Pois é, eu descobri que ele afinal não faz nada disso, ele anda é nessas vidas da noite como o primo Justino, que está sempre na taberna do Senhor Rui de posse do garrafão de tinto e depois vai para as boites fazer sabe-se lá o quê. Pois o Marco certo dia diz que eu devia distrair-me um pouco mais e que eu devia sair e divertir-me e disse-me que um dia me levava a dar uma volta, até para conhecer umas moças e tudo o mais, sabe? E eu fiquei muito contente, porque as moças daqui são muito bonitas, Pai. Uma pessoa logo logo ainda diz que é um pouco falta de vergonha, porque elas usam pouca roupa, sabe como a prima Maria que foi estudar para Faro e depois apareceu na terra com aquelas saias por cima do joelho e com os ombros à vista? Mas não é nada disso, as pessoas daqui da Lisboa são é mais encaloradas que aí, e mesmo com o frio usam roupa leve e ficam muito bonitas, Pai.

Mas pronto, o que aconteceu foi o Marco diz aquilo e eu penso, bom, no fim de semana vamos até à serra, calhando até Sintra, que dizem que é bonita, porque o Marco tem a carta de condução e eu a pensar que íamos a um passeio pelo campo. Imagine como é que eu fico quando ele diz que vamos sair a uma quinta-feira e à noite! À noite, Pai, quando uma pessoa tem aulas no dia seguinte! E eu a dizer-lhe que não, que não podia ser que havia os estudos de manhã e como é que ele ia fazer com o emprego. Ainda hoje não percebo porque é que ele ficou a rir tanto tempo quando eu disse isso. Ó Pai, por favor, não diga nada à mãe mas ele convenceu-me a ir e eu lá saí à noite com ele.

Fomos a um sítio que dizem que é nas docas a uma coisa que acho que é como as boites, mas maior e mais barulhente que os bailaricos que se fazem em Alte. Ó pai, não se zangue comigo, mas eles insistiram tanto e eu entrei. Ao princípio parecia que não podia, porque o dono que estava à porta disse que não queria que eu entrasse e ficou muito tempo a resmungar mó dos óculos grandes que eu tinha e da camisola de lã que a avó fez e que assim não podia entrar e que gente como eu não podia entrar. Eu digo-lhe que ainda fiquei ofendido porque o Senhor não me conhecia de lado nenhum e andava a dizer essas coisas. E digo-lhe, Pai, se não é o Marco a falar com o Senhor eu ia falar com ele para lhe dizer que achava uma falta de respeito da parte dele. Mas depois acho que o convenceram que eu era bom moço e que se pagasse o bilhete de entrada a mais três pessoas que podia entrar. E para provar a minha honra comprei mais três bilhetes e eu próprio lhe entreguei o dinheiro do meu bilhete e dos outros três! Porque neste mundo é preciso sermos homens e não deixar que façam pouco de nós assim por assim. E eu também não disse mais nada sabe porquê? É que o dono da discoteca (as boites de Lisboa chamam-se assim) devia ser viúvo, porque estava todo de preto, e se calhar devia ter sido há pouco tempo e por isso é que ele se comportou daquela maneira.

Depois entrámos e o Marco disse para eu tirar os óculos. E porque foi o Marco a dizer e o Marco é meu amigalhaço, eu tirei. Mas só por isso. E depois ele lá me apresentou a uma moça. E a partir dessa altura é que eu fiquei sem perceber nada. Pois deixe-me contar-lhe a história para o Pai me dizer se tem algum jeito. Primeiro dizem que querem dançar comigo e puxam-me para dançar. Veja bem que a moça que me levou para bailar queria dançar onde estavam as pessoas todas aos pulos, que aquilo com os empregados do dono a andarem sempre a mudar as lâmpadas e pô-las de cores diferentes que nos deixa todos tontos e o barulhão não sei como é que se pode dançar. Eles têm muitos empregados a mudar as lâmpadas porque as cores da sala estão sempre a mudar e se não fosse o barulho até era bonito. Mas olhe, fomos até lá. Ela não quis que eu pusesse as mãos na cintura nem na mão e começou também a pular. E eu até pensei para mim que tinha percebi mal, que ele queria pular e não queria dançar. E comecei a pular também. E depois ela fez uma cara, parou de pular e foi-se embora sem mais menos a dizer para eu esperar porque tinha a palma da mão voltada para mim. Eu esperei, esperei, e depois voltei para o pé do Marco e lá estava ela! Não me deve ter encontrado, porque estava muita gente.

E agora vem a parte que me deixa muito perturbado, Pai. Eu tenho tanta vergonha de dizer isto. Pai, por favor, o Pai é a pessoa em que eu confio mais no mundo, mas por favor não conte à mãe. É que depois no fim da noite nós estavamos tão cansados e até um pouco com cerveja a mais que depois as raparigas foram até lá a casa... e Pai, eu desflorei a moça, Pai! Ó Pai, o que é que devo fazer? Eu não penso noutra coisa. Eu acho que ela ficou ofendida comigo, porque disse ao Marco que não queria falar comigo. Quer dizer, eu sei que isto não é como no antigamente e não é preciso casar, mas pensava que havíamos de nos encontrar a partir de agora, não é?

Desculpe estar a incomodá-lo com isto, Pai, mas eu estou muito angustiado. E por favor, não diga nada à mãe, está bem?

Com muitas saudades,

ML

1 comentário:

Carapaus com Chantilly disse...

e a menina era mesmo uma flor?