domingo, novembro 19, 2006

Ensaio sobre a Cegueira Remix

Antes um aviso: este é um daqueles posts que se fosse pronunciado por alguém com uma certa posição social lhe iria arruinar por certo uma qualquer brilhante carreira no ramo da jardinagem ou decoração de interiores.
O post que se segue pode ser visto como incrivelmente ofensivo, retardado ou simplesmente parvo. Na verdade ninguém vos obriga a lê-lo pois não?
Assim sendo, recomenda-se às pessoas com o mínimo bom-senso que não leiam o post caso contrário correm o risco de ficar para todo o sempre com ligeira perturbação mental, mania da perseguição e aguda dor de burro.

Há algo que me vem a atormentar o espírito e que me começa a tirar o sono. Cheguei há 8 anos à cidade de Lisboa, vindo do Algarve - para os habitantes da metrópole, refiro-me ao sítio que vocês habitam durante o Verão e ao qual denominam "parvónia" durante o resto do ano- e confesso que não estava habituado a assistir tão de perto à miséria humana. Assim surpreendeu-me a quantidade de sem-abrigo, as filas intermináveis de pessoal maioritariamente ucraniano junto aos caixotes do lixo dos hiper-mercados ao fim da tarde, a delinquência juvenil, o racismo, o pedantismo existente nas universidades e finalmente fui surpreendido pela quantidade quase absurda de cegos.

Nunca na minha vida vi ou fui abordado tantas vezes por cegos como nestes anos em Lisboa mas a verdade é que também não havia metro em mais lado nenhum. O que nos traz à minha primeira questão: porque é que só existem cegos nos metros? Raramente encontro cegos noutros locais. Sei que eles existem noutros sítios mas a realidade é que é no metro que os encontro em grande quantidade. Será que os cegos se estão a organizar para tomar conta do nosso submundo literalmente falando? Ou será que os cegos sabem da existência de uma ameaça qualquer da qual nós não fazemos ideia e por isso são cada vez mais os que populam o metro de Lisboa? Estarão eles devagarinho a tomar conta das diversas estações de metro com o intuito de um dia poderem tomar de assalto a capital e depois todas as principais cidades que eventualmente terão metro? Será que é o lobby dos invisuais que tanta pressão faz para que haja metro para todo o lado e em todo o lado? E não me venham com histórias porque eu sei por experiência que, de ano para ano, os cegos tomam os lugares dos vulgares doentes de sida, pessoal sem pernas ou vulgares pedintes ranhosos. Cada vez menos sou abordado pelo simpático se bem que irritante senhor doente e sem perna (mas que corre muitissimo bem quando a polícia está à vista) da linha azul ou pela senhora de idade com sérios problemas de higiene na linha verde. Ah mas isso é porque não andas em todas as linhas! Confesso que não costumo parar muito na linha vermelha mas agora digam-me lá o seguinte: se todos os pedintes não-cegos foram excomungados para a linha vermelha porque raios é que isso aconteceu? Será que o pessoal com dinheiro e que mais esmolas dá vive em Chelas? Não me parece! E quem, senão os cegos, os expulsou das outras linhas? Será que os cegos têm acordos especiais com as forças de intevenção e conseguem expulsar do metro quem lhes apetecer? Isso sim é um pensamento verdadeiramente assustador: as nossas forças de segurança são os olhos e os bastões dos cegos! Não tarda os cegos serão imparáveis!

Também me questiono se não serão justamente os cegos a precisar da nossa ajuda pois, caso a minha teoria do complot dos cegos contra a malta com visão esteja errada, surge outra situação bem pior. Será que há cegos a serem criados de propósito para sobreviver no metro a vida toda? Pensem um bocado nessa hipótese: os cegos chegam ao metro às 6 horas da manhã e saem, digamos que à hora de jantar, entre as 19/20 horas. Devem ter montes de dinheiro à hora de saída. Mas vão para onde? Alguma vez os viram a comer? A gastar algum do dinheiro? Que fazem eles então ao dinheiro recolhido? Alguma vez viram um cego do metro noutro sítio que não o metro? Alguma vez o viram no Continente a escolher umas meias? Na Fnac a brincar com um iPod ou simplesmente num café a pôr a conversa em dia? Para onde é que eles vão quando o metro fecha? É que quanto mais penso mais me parece segura a existência de sweatshops de cegos onde eles são armazenados todas as noites e forçados a uma lavagem cerebral através do uso de cassetes-pirata com intruções que, durante a noite, lhes dá a lenga-lenga do "Boa tarde senhoras e senhores. Façam o favor de me auxiliar!" depois em caso de queda de moeda "Plim Plim!" há a resposta tipicamente Pavloviana "Muito obrigado e bem haja!" ou a variante "Obrigado, saúde e sorte!".
Amigos e amigas estes são os nossos cegos e devemos lutar por eles! Ou contra eles se efectivamente os sacaninhas se estão a organizar para dar conta de nós! Malditos sois seus autómatos cegos que nos querem eliminar! Ou então, pobres desgraçados obrigados pela organização terrorista a A.C.A.P.O. (Associação Central para a Paralisação do Ocidente) a percorrer os nossos metros durante toda uma vida, sem o mínimo de condições ou pausas para ir à casa de banho. Devemos unir os nossos esforços e olhar pelos nossos cegos!
CP

P.S. Esta é uma mensagem com um destinatário muito específico. Atenção pois este P.S. faz parte do post e portanto, para os leitores mais sensíveis, recomenda-se vivamente que passem ao post seguinte ou aos outros que estão em baixo e que até têm uns vídeos bem engraçados!

Desde que cheguei a Lisboa há um cego em especial que sempre me chamou a atenção. Ele costumava estar na paragem do Saldanha à saída para a Av.Duque D'Ávila e estou certo que quem vive em Lisboa sabe de que cego estou a falar. É um senhor cego que toca uma pequena gaita/teclado que só funciona (dá som) quando o indivíduo sopra na gaita e carrega numa tecla ao mesmo tempo. Não tenho nada contra a aprendizagem de um instrumento musical mas chiça amigo, em 8 anos, oito anos, como raios é que ainda não consegues tocar a bodega da música toda de uma assentada? Caraças pá! Um gajo gosta de ti e até de dá uns trocos quando tem mas fogo haja limites não é? É que ninguém te pede que te tornes num Miles Davis da gaita de sopro mas pelo menos mostra lá que te esforças um bocadinho por conseguir tocar, nem digo uma música mas pelo menos meia música!

8 comentários:

Carapaus com Chantilly disse...

Isto não tem nada a ver com o post, mas com uma pequena expressão que aí é referida. Quer dizer, antes do primeiro filme do Homem Aranha ninguém usava a expressão bem haja; depois, o Duende Verde usa a expressão num momento emotivo-carinhoso e de repente toda a gente passa a usá-la! É a reabilitação mais curiosa na história da linguagem. Eu proponho a reabilitação do «Apre» e a vulgarização do Moss à cultura portuguesa extra-algarvia. Em vez de dizerem «Fogo» ou «Fonix», digam Moss. Tem mais nível. Vão por mim que não vos deixo mal.

ML

ScreenLock disse...

Eu tenho um cego de metro preferido, embora não saiba se isto é moralmente correcto. Gosto especialmente de um que anda pelas zonas da baixa-chiado a cantar 'Alguém que tenha a bondade ou a possibilidade de me auxiliar' e depois faz um ritmo bem bonito com o bastão. Oh é uma alegria. Que as viagens de metro se tornam mais bonitas.

CP disse...

Screenlock: Esta no bom caminho ao adoptares um cego como cego de estimação. Não queria dizer nada mas esse é o único cego que conheço que todos os dias apanha o comboio da linha de Sintra e que suspeito ter casa. Deverá portanto ser um cego à parte da comunidade o que me faz pensar que terá sido expulso por ter um ritmo do caraças!

Anónimo disse...

pessoalmente sempre tive um fetiche sexual com cegos -- passa-lhes ao lado as imperfeições do corpo de uma gaija.
e se ele recitasse essa ladainha durante o acto, ui! não me lembro de nada mais sexy.

Anónimo disse...

Screenlock: esse cego faz parte do Triunvirato da Linha Verde. É ele, uma cega que saiu de circulação e o mai novo que o CP assinalou com a gaita (salvo seja... :)) O teu "protégé" andava com uma mochila Monte Campo novinha aqui há tempos e uns ténis Nike. Bem se vê que não desconta os seus rendimentos de trabalhador independente na Segurança Social.

Eu acho que eles dormem todos nos ramais abandonados e que o motivo pelo qual nunca os vemos na superfície é que assim eles deixariam de ser cegos e perderiam, portanto, o seu meio de subsistência.

Lasanha disse...

Mas não pensem que têm o exclusivo dos cegos... No Porto também há cegos de qualidade:

Uns dias são cegos a pedir ajuda, noutros vêem melhor que eu e andam a correr a cidade a falar ao tlm...

Anónimo disse...

VIVA OS CEGUINHOS!!!

CHEGUINHO´S POWER!!!!

Anónimo disse...

Cá por Coimbra (pode não ser uma grande cidade mas às vezes até dá ares disso) tb vejo cegos muitas vezes. Mas por cá devem ser educados de outra maneira. N os vejo a pedir esmola, nem a pedir o quer q seja a ninguém.. A única coisa que já me perguntaram foi o número do autocarro que estava a chegar. Andam na rua, no café, nas cantinas sociais da universidade, etc, e de modo geral, são bastante acarinhados pelos estudantes. E acho que isso tem muito que ver com a força e autodeterminação que transmitem.
:)