Como cresci a ler
livros da Disney, sempre pensei num rico como uma espécie de Tio Patinhas mas
em modo big spender. Imaginava um
tipo com uma carteira cheia de dinheiro que parece não ter fim, alguém que em
vez de escolher diz simplesmente “olhe, levo todos”. Para mim isto era um rico.
E depois cresci e aconteceu algo estranho. Tornei-me rico.
Confesso que não
estava à espera e sim, foi como se me tivesse saído o euromilhões, mas sem a
parte de ter, efetivamente, milhões. Como disse, foi estranho. Na verdade eu já
tinha algumas suspeitas que era rico. A minha mãe faleceu e graças a ter sido
previdente e ter tido essa possibilidade, o seu seguro de vida, juntamente com
o emprego estável do meu pai, o dos meus sogros e o meu, consegui crédito a 50
anos para comprar uma casa a meias com a minha mulher e, pasmem-se, ela
engravidou (e eu também) e resolvemos ter a criança. Okay, mas isto de escolher
ter a criança não é conversa de pobre? É. Mas ter a criança é atitude de rico,
principalmente em Portugal. E vocês
perguntam porque raio estou com esta atitude. Afinal, não é em Portugal que os
sucessivos Governos fazem do aumento da natalidade cavalo de batalha? É. Mas
não é para todos. É, na verdade, para quem é pobre.
Ah! – exclamam
vocês. Isto tudo é aquela conversa de chacha da riqueza interior e tal! És rico
porque és pai... que bonito! - Não meus amigos, não é nada disso. Passo a
explicar. Quando o meu filho nasceu, fui à segurança social tratar da papelada
toda. Pensei eu que, estando a mãe da criança sem emprego, sem subsídio de
desemprego ou qualquer espécie de ajuda estatal e eu empregado a tempo inteiro,
cumprindo o dever de qualquer trabalhador deste país (pagando impostos a torto
e a direito), mas chegando ao final do mês a cavar um buraco, pensei então que
talvez tivéssemos direito a alguma espécie de ajuda financeira pelo nosso
esforço em aumentar a taxa de natalidade. Mas não. Fui então informado pela
simpática senhora do guichet, e sem qualquer espécie de preparação prévia, que
era rico. Acontece que, estando eu a trabalhar e a ganhar pelo meu trabalho, o
Estado considera que não é preciso gastar dinheiro com o meu filho, já que o
pai com o seu ordenado chega para dar conta do recado. Afinal de contas, o pai
consegue pagar o crédito a 50 anos ao banco todos os meses, consegue pagar
água, luz, gás, televisão, internet, telefone (ok, estas 3 últimas são um
pacote), ainda lhe sobra para conseguir pagar comida, até tem automóvel próprio
que utiliza para ir trabalhar e às compras, e ainda se dá ao luxo de conseguir
pagar gasolina para isto tudo, inspeções periódicas e todos os impostos que se
pagam por se ter um automóvel. Porque carga de água é que o Estado vai dar uns
trocos a um gajo que é claramente rico?
E foi então que me
caiu a ficha. Não é bem que eu seja rico. Na verdade é tudo uma questão de
semântica. É que em Portugal não há ricos e pobres. Em Portugal há milionários.
Depois há os pobres. Depois há os miseráveis. E finalmente há os indigentes. O
problema dos partidos políticos é que querem definir isto em classes quando claramente
não há classes em Portugal. Há os que têm e que têm tanto que pagam menos que
todos os outros – pelos mais variados factores, incluindo os ilegais. Estes são
os milionários e o Estado tem um interesse relativo nestes gajos. O interesse é
relativo porque muitas vezes estes tipos são os seus amigalhaços, familiares e
financiadores, logo não convém abanar muito o barco e mais vale dar-lhe uma
abébia, coitados. Depois há os que têm porque trabalham para ficar a zeros no
final do mês – estes são considerados ricos e são aqueles que para a
generalidade dos partidos são os cidadãos exemplares já que não andam para aqui
a acumular dinheiro. É chapa ganha, chapa gasta. Depois temos os miseráveis que
são aqueles que se esfolam a trabalhar, a maioria a recibos verdes, e são
taxados de tal maneira que chegam ao final do mês com saldo negativo. Aqui nem
chega a ser chapa ganha, chapa gasta, é mais o “é para aprenderes a não seres
trouxa. Tiras esses cursos que não dão para nada, não estás filiado em nenhum
partido e depois queixas-te! Vai mas é para o estrangeiro que não serves de
muito por estes lados. Ah, espera! És mão de obra barata. Então fica por cá no
teu cantinho. Fica é caladinho, ok?”. E finalmente temos os indigentes, também
conhecidos pelos sucessivos Governos como “os pobres”. Ser pobre em Portugal tem
dois lados, nenhum propriamente espetacular: por um lado, se pertences aos
“pobres” é porque tens entre muito pouco e nada (ou até estás a dever) e então o
estado não tem o mínimo interesse em tentar sacar-te algum, porque lhe dá mais
chatice que vantagens. Por outro lado, és tão miserável que até fica bem ao estado
portar-se contigo da forma contrária à habitual e então até te dá dinheiro para
te manter no teu estado “natural” de indigência – isto faz-se em forma de
subsídios. Receber subsídios até seria fixe não fosses tão deploravelmente
miserável que a magra quantia que te é destinada não paga o sem fim de
problemas que tens no dia-a-dia, a começar pela fome, e muito menos te tira do
estado miserável em que te encontras. Aqui é como se o estado te desse uns
trocos e te dissesse “olha, não gastes tudo em pinhões, ok?”. Claramente o
estado não faz puto ideia a quanto anda o pinhão.
É claro que no meio
disto temos sempre a malta que não é miserável nem indigente mas que consegue
contornar o sistema de forma a parecer ser miserável e/ou indigente. Mas estes
parecem interessar tanto ao estado e aos sucessivos Governos como os que
praticam fuga de capitais. É deixar passar porque ir atrás deles dá muito
trabalho, não dá votos, e porque, sinceramente, é chato e parece mal tirar
benefícios a “quem mais precisa”.
Tudo isto para
chegar à conclusão que a minha mulher é que tem razão: a culpa disto tudo é
minha. É minha porque se eu não fosse rico, ela poderia ser considerada indigente,
logo “pobre”, e teria direito a um magro subsídio que nos ajudaria de facto a chegar
ao final do mês sem ser no negativo ou a telefonar aos pais a pedir dinheiro. É
claro que não sei como é que o estado acha que as famílias sobrevivem se
efetivamente dependerem do subsídio de amamentação e do abono de família, mas
suspeito seriamente que o estado também não quer saber.
É assim ser-se rico
em Portugal: estranho.