quarta-feira, setembro 21, 2016

Ser rico em Portugal.


Como cresci a ler livros da Disney, sempre pensei num rico como uma espécie de Tio Patinhas mas em modo big spender. Imaginava um tipo com uma carteira cheia de dinheiro que parece não ter fim, alguém que em vez de escolher diz simplesmente “olhe, levo todos”. Para mim isto era um rico. E depois cresci e aconteceu algo estranho. Tornei-me rico.

Confesso que não estava à espera e sim, foi como se me tivesse saído o euromilhões, mas sem a parte de ter, efetivamente, milhões. Como disse, foi estranho. Na verdade eu já tinha algumas suspeitas que era rico. A minha mãe faleceu e graças a ter sido previdente e ter tido essa possibilidade, o seu seguro de vida, juntamente com o emprego estável do meu pai, o dos meus sogros e o meu, consegui crédito a 50 anos para comprar uma casa a meias com a minha mulher e, pasmem-se, ela engravidou (e eu também) e resolvemos ter a criança. Okay, mas isto de escolher ter a criança não é conversa de pobre? É. Mas ter a criança é atitude de rico, principalmente em Portugal. E vocês perguntam porque raio estou com esta atitude. Afinal, não é em Portugal que os sucessivos Governos fazem do aumento da natalidade cavalo de batalha? É. Mas não é para todos. É, na verdade, para quem é pobre.

Ah! – exclamam vocês. Isto tudo é aquela conversa de chacha da riqueza interior e tal! És rico porque és pai... que bonito! - Não meus amigos, não é nada disso. Passo a explicar. Quando o meu filho nasceu, fui à segurança social tratar da papelada toda. Pensei eu que, estando a mãe da criança sem emprego, sem subsídio de desemprego ou qualquer espécie de ajuda estatal e eu empregado a tempo inteiro, cumprindo o dever de qualquer trabalhador deste país (pagando impostos a torto e a direito), mas chegando ao final do mês a cavar um buraco, pensei então que talvez tivéssemos direito a alguma espécie de ajuda financeira pelo nosso esforço em aumentar a taxa de natalidade. Mas não. Fui então informado pela simpática senhora do guichet, e sem qualquer espécie de preparação prévia, que era rico. Acontece que, estando eu a trabalhar e a ganhar pelo meu trabalho, o Estado considera que não é preciso gastar dinheiro com o meu filho, já que o pai com o seu ordenado chega para dar conta do recado. Afinal de contas, o pai consegue pagar o crédito a 50 anos ao banco todos os meses, consegue pagar água, luz, gás, televisão, internet, telefone (ok, estas 3 últimas são um pacote), ainda lhe sobra para conseguir pagar comida, até tem automóvel próprio que utiliza para ir trabalhar e às compras, e ainda se dá ao luxo de conseguir pagar gasolina para isto tudo, inspeções periódicas e todos os impostos que se pagam por se ter um automóvel. Porque carga de água é que o Estado vai dar uns trocos a um gajo que é claramente rico?

E foi então que me caiu a ficha. Não é bem que eu seja rico. Na verdade é tudo uma questão de semântica. É que em Portugal não há ricos e pobres. Em Portugal há milionários. Depois há os pobres. Depois há os miseráveis. E finalmente há os indigentes. O problema dos partidos políticos é que querem definir isto em classes quando claramente não há classes em Portugal. Há os que têm e que têm tanto que pagam menos que todos os outros – pelos mais variados factores, incluindo os ilegais. Estes são os milionários e o Estado tem um interesse relativo nestes gajos. O interesse é relativo porque muitas vezes estes tipos são os seus amigalhaços, familiares e financiadores, logo não convém abanar muito o barco e mais vale dar-lhe uma abébia, coitados. Depois há os que têm porque trabalham para ficar a zeros no final do mês – estes são considerados ricos e são aqueles que para a generalidade dos partidos são os cidadãos exemplares já que não andam para aqui a acumular dinheiro. É chapa ganha, chapa gasta. Depois temos os miseráveis que são aqueles que se esfolam a trabalhar, a maioria a recibos verdes, e são taxados de tal maneira que chegam ao final do mês com saldo negativo. Aqui nem chega a ser chapa ganha, chapa gasta, é mais o “é para aprenderes a não seres trouxa. Tiras esses cursos que não dão para nada, não estás filiado em nenhum partido e depois queixas-te! Vai mas é para o estrangeiro que não serves de muito por estes lados. Ah, espera! És mão de obra barata. Então fica por cá no teu cantinho. Fica é caladinho, ok?”. E finalmente temos os indigentes, também conhecidos pelos sucessivos Governos como “os pobres”. Ser pobre em Portugal tem dois lados, nenhum propriamente espetacular: por um lado, se pertences aos “pobres” é porque tens entre muito pouco e nada (ou até estás a dever) e então o estado não tem o mínimo interesse em tentar sacar-te algum, porque lhe dá mais chatice que vantagens. Por outro lado, és tão miserável que até fica bem ao estado portar-se contigo da forma contrária à habitual e então até te dá dinheiro para te manter no teu estado “natural” de indigência – isto faz-se em forma de subsídios. Receber subsídios até seria fixe não fosses tão deploravelmente miserável que a magra quantia que te é destinada não paga o sem fim de problemas que tens no dia-a-dia, a começar pela fome, e muito menos te tira do estado miserável em que te encontras. Aqui é como se o estado te desse uns trocos e te dissesse “olha, não gastes tudo em pinhões, ok?”. Claramente o estado não faz puto ideia a quanto anda o pinhão.

É claro que no meio disto temos sempre a malta que não é miserável nem indigente mas que consegue contornar o sistema de forma a parecer ser miserável e/ou indigente. Mas estes parecem interessar tanto ao estado e aos sucessivos Governos como os que praticam fuga de capitais. É deixar passar porque ir atrás deles dá muito trabalho, não dá votos, e porque, sinceramente, é chato e parece mal tirar benefícios a “quem mais precisa”.

Tudo isto para chegar à conclusão que a minha mulher é que tem razão: a culpa disto tudo é minha. É minha porque se eu não fosse rico, ela poderia ser considerada indigente, logo “pobre”, e teria direito a um magro subsídio que nos ajudaria de facto a chegar ao final do mês sem ser no negativo ou a telefonar aos pais a pedir dinheiro. É claro que não sei como é que o estado acha que as famílias sobrevivem se efetivamente dependerem do subsídio de amamentação e do abono de família, mas suspeito seriamente que o estado também não quer saber.

É assim ser-se rico em Portugal: estranho.