A adaptação sociológica de ícones bem conhecidos e largamente apreciados da mitologia fantasista norte-americana a contextos culturais completamente distintos apela à reflexão. Compreendemos como ninguém a força atractiva do onírico e do irreal sobre o ser humano, mesmo (e, se calhar, principalmente) numa sociedade que advoga e pretende ter atingido níveis de percepção da realidade altamente racionais. No entanto, o lançamento, em contexto indiano, de uma adaptação do clássico Stan Lee/Steve Dikto (literalmente: o lançamento do «Homem-Aranha Indiano» vai ser na União Indiana) não deixa de ser uma lamentável depreciação e incapacidade de capitalizar a riquíssima cultura indiana para uma adaptação em fantasia desenhada. Não é segredo para ninguém o poder fundacional e unificador do mito. Numa era em que o mito perdeu o seu valor objectivo (definido enquanto tal não é considerado), mas não subjectivo (mas enquanto força actuante não classificada mantém o todo o seu poder), o ser humano continua, não obstante, a procurar sensações de identificação em irrealidades, de que atracção da banda desenhada constitui exemplo bem patente. Questiono-me acerca da durabilidade de um projecto que procure associar um conceito-marca a um contexto completamente distinto, isto é, à capitalização de ícones culturais em ambientes socioculturais distintos com padrões de percepção do real muito distantes. Mais: questiono-me a respeito da utilidade da banda desenhada como elemento sociológico interventivo e formativo.
ML
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