quinta-feira, janeiro 26, 2006

Nada a dizer

O humor nacional, pelo menos a produção televisiva, tem estado em alta. Por todos os canais proliferam as chamadas séries humorísticas nacionais procurando, cada qual à sua maneira, "imitar" o sucesso da série Gato Fedorento mas na maior parte dos casos, falham miseravelmente. Nada disto me espanta. Pelo contrário aprás-me, de certa forma, saber que ao menos, as instituições televisivas (sim são instituições) têm os olhos abertos e conseguem discernir, mesmo que só de vez em quando, o que é ter qualidade ou pelo menos um mínimo de qualidade.

O que sinceramente me deixou boquiaberto (expressão que nada tem a ver com a minha maneira de falar mas que me parece pertinente neste contexto) foi verificar que os telejornais também querem entrar nesta demanda pelo humor digamos que "mais refinado", ou seja menos ao estilo dos Malucos do Riso. Atenção! Os Malucos do Riso trazem sem dúvida a boa disposição a muito boa gente (afinal de contas, a minha avó considera-o o melhor programa da TV.) mas estou certo que essas mesmas pessoas ficariam radiantes se houvesse um programa que versasse sobre a temática das corridas de minhocas em Sobral de Monte Agraço. O que quero dizer com isto é que estou deveras admirado com a adaptação da nobre arte circense que é o malabarismo, efectuada pela comunidade jornalística. Se no tradicional circo, ou na Baixa-Chiado (dependendo dos dias), o/a malabarista atira ao ar alguns objectos (muitas vezes em chamas, algo especialmente bonito de se ver quando fazem o show em ruas com grande movimento), procurando desesperadamente contrariar a Lei da Gravidade (sempre sem sucesso diga-se de passagem), os jornalistas fazem malabarismos com palavras, recorrendo muitas vezes à já habitual Arte de Não Dizer Nada ou, mais recentemente, à arte de “Fazer do Nada uma Notícia”, fenómeno por mim denominado por "Acontecimento Zero". Tal fenómeno acontece quando o jornalista, muito seguro de si, transmite ao público em tom solene que nada se passou de relevo ou seja, manifesta perante toda a audiência que está a ser pago para nos dizer que não aconteceu nada mas que este "nada" lhe parece suficientemente importante para lhe dar o nome (ao facto de nada ter acontecido) de “notícia de última hora”. Por “notícia de última hora” estou a referir-me às notícias que são transmitidas pela hora do almoço ou do jantar, que considero sem dúvida alguma a melhor para a alegre contemplação de corpos a crepitar no Médio Oriente, pessoas afogadas em Nova Orleãs ou surtos de ébola e respectiva imagem de pessoas mortas mas com uma acentuada coloração menos tradicional de pele.

Através desta nova Arte (para os menos atentos - a arte de fazer do nada uma notícia), somos brindados com pérolas televisivas como, a de saber que Cavaco Silva, agora Presidente da República, não fez nada na segunda-feira tendo saído de casa só pelas 18 horas para assinar uns papéis, mas que na terça já comeu uns tremoços no café de esquina perto de sua casa, na companhia de Maria sua esposa e do alegre senhor Paulo Costa, vizinho por vocação e carpinteiro nas horas vagas.

O que me deixa quase (quase!) estupefacto é a ausência de relato em directo. Por Deus ao menos façam a coisa como deve de ser! Porque não, a meio do Rex – O Cão Polícia, ou do Morangos com Açúcar, passar a emissão para a residência do Presidente recém-eleito? Seria algo do género:

-Sim? Sim? Boa tarde caros telespectadores. Neste momento o Presidente da República encontra-se sentado na sua poltrona LuisXV, inclinou-se ligeiramente para a esquerda de modo a cortar as unhas directamente para o cinzeiro de barro que está em cima da mesinha de café. É pertinente fazer este directo já que, enquanto cortava a unhaca do dedo grande do pé, Cavaco Silva terá pedido a Maria Cavaco Silva, sua esposa, uma sandes de torresmos! Aguardamos confirmação a qualquer momento mas...mas...Sim! Parece-nos que sim! Confirma-se que o senhor Presidente pediu de facto uma sandes de torresmos a Maria Cavaco Silva! E agora passamos a emissão para ti Rute Vanessa, para sabermos as últimas sobre o automóvel Presidencial.

-Boa tarde. Ora aqui estou ao lado do automóvel de Aníbal Cavaco Silva e posso confirmar que este ainda não se moveu desde a última vez que alguém o utilizou. Relembro os telespectadores que este automóvel foi utilizado pelo motorista do Presidente aquando da deslocação da família Silva ao LIDL da Charneca. Terá então sido utilizada a bagageira para transportar cerca de quinze paletes de rolos de papel higiénico folha dupla. Esperamos ainda hoje saber se estas compras estão ou não relacionadas com as centenas de embalagens de mostarda antiga encontradas no interior do caixote do lixo do senhor Presidente.
(...)

CP

4 comentários:

Anónimo disse...

Olhó gajo cheia da pica!!! Possa, até fiquei cansado!!!!

Anónimo disse...

EXCELENTE!!!!! NOTA 20!!

Anónimo disse...

Tá fixe sim Sr!!

Anónimo disse...

Muito BOMMMMM!